Patativa do Assaré

(1909-2002), popular, compositor, cantor e improvisador brasileiro. Seria o mais importante no século XX de uma nação e um quase país chamado Nordeste. Dono de uma memória prodigiosa, era capaz de recitar sem pestanejar longos e incontáveis poemas de sua autoria.

O poeta nasceu em 5 de março de 1909 na Serra de Santana, pequena propriedade rural do município de Assaré, no . Ainda menino, uma doença lhe tirou a visão de um dos olhos. Aos 8, viu-se obrigado a pegar na enxada para ajudar no sustento da mãe e dos irmãos, após a morte prematura do seu pai. Somente aos 12, durante alguns meses, frequentou a escola local. Foi o suficiente, porém, para alfabetizá-lo. Foi nessa época que passou a fazer repentes e a se apresentar em festas e eventos importantes. 

Antônio tinha um dom raro, daqueles que não se explicam à luz da razão: começou a fazer repentes e a se apresentar em festas e ocasiões importantes. Por fim, aos 20 anos, ganhou o pseudônimo de Patativa porque sua era comparável à beleza do canto dessa ave.

Em 1956 publica seu primeiro livro Inspiração Nordestina, no qual estão presentes muitos textos escritos anos antes. Oito anos depois, em 1964, tem seu poema Triste Partida gravado pelo cantor Luiz Gonzaga, o que lhe confere maior projeção.

Seu talento para recitar e escrever chamou a atenção de muita gente e foi assim que publicou o primeiro livro. Este livro teria uma segunda edição onze anos depois e se chamaria Cantos do Patativa. Em 1964, tem seu poema Triste Partida gravado pelo cantor Luiz Gonzaga, o que lhe conferiu grande projeção nacional.

Patativa sempre deixou evidente seus posicionamentos políticos em sua obra, tecendo críticas inclusive ao período da ditadura militar (1964-1985) e sendo perseguido na época.

Alguns livros de destaque do escritor são: Cantos da Patativa (1966), Canta lá Que Eu Canto Cá (1978), Aqui Tem Coisa (1994). Gravou ainda dois discos: Poemas e Canções (1979) e A Terra é Naturá (1981), que contou com a produção do cantor Fagner.

Sua obra foi bastante reconhecida, tornando-se tema de estudo na universidade francesa Sorbone.

Patativa do Assaré perdeu a visão e a audição nos últimos anos de vida e faleceu em 8 de julho de 2002, por falência múltipla de órgãos.

Poesia

Há dor que mata a pessoa
Sem dó nem piedade.
Porém não há dor que doa
Como a dor de uma saudade.

Meus versos é como semente
Que nasce arriba do chão;
Não tenho estudo nem arte,
A minha rima faz parte
Das obras da criação

Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrer
Não nego meu sangue, não nego meu nome
Olho para a fome, pergunto o que há?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará.

Sertão, argúem te cantô,
Eu sempre tenho cantado
E ainda cantando tô,
Pruquê, meu torrão amado,
Munto te prezo, te quero
E vejo qui os teus mistéro
Ninguém sabe decifrá.
A tua beleza é tanta,
Qui o poeta canta, canta,
E inda fica o qui cantá.

De EU E O SERTÃO – Cante lá que eu canto Cá – Filosofia de um trovador nordestino – Ed.Vozes, Petrópolis, 1982

Poemas

A terra é nossa

A terra é um bem comum
Que pertence a cada um.
Com o seu poder além,
Deus fez a grande Natura
Mas não passou escritura
Da terra para ninguém.

Se a terra foi Deus quem fez,
Se é obra da criação,
Deve cada camponês
Ter uma faixa de chão.

Quando um agregado solta
O seu grito de revolta,
Tem razão de reclamar.
Não há maior padecer
Do que um camponês viver
Sem terra pra trabalhar.

O grande latifundiário,
Egoísta e usurário,
Da terra toda se apossa
Causando crises fatais
Porém nas leis naturais
Sabemos que a terra é nossa.

O que mais dói

O que mais dói não é sofrer saudade
Do amor querido que se encontra ausente
Nem a lembrança que o coração sente
Dos belos sonhos da primeira idade.
Não é também a dura crueldade
Do falso amigo, quando engana a gente,
Nem os martírios de uma dor latente,
Quando a moléstia o nosso corpo invade.
O que mais dói e o peito nos oprime,
E nos revolta mais que o próprio crime,
Não é perder da posição um grau.
É ver os votos de um país inteiro,
Desde o praciano ao camponês roceiro,
Pra eleger um presidente mau.

O agregado e o operário

Sou matuto do Nordeste
criado dentro da mata
caboclo cabra da peste
poeta cabeça chata
por ser poeta roceiro
eu sempre fui companheiro
da dor, da mágoa e do pranto
por isto, por minha vez
vou falar para vocês
o que é que eu sou e o que canto.

Sou poeta agricultor
do interior do Ceará
a desdita, o pranto e a dor
canto aqui e canto acolá
sou amigo do operário
que ganha um pobre salário
e do mendigo indigente
e canto com emoção
o meu querido sertão
e a vida de sua gente.

Procurando resolver
um espinhoso problema
eu procure defender
no meu modesto poema
que a santa verdade encerra
os camponeses sem terra
que o céu deste Brasil cobre
e as famílias da cidade
que sofrem necessidade
morando no bairro pobre.

Vão no mesmo itinerário
sofrendo a mesma opressão
nas cidades, o operário
e o camponês no sertão
embora um do outro ausente
o que um sente o outro sente
se queimam na mesma brasa
e vivem na mesma Guerra
os agregados sem terra
e os operários sem casa.

Operário da cidade
se você sofre bastante
a mesma necessidade
sofre o seu irmão distante
levando vida grosseira
sem direito de carteira
seu fracasso continua
é grande martírio aquele
a sua sorte é a dele
e a sorte dele é a sua.

Disto eu já vivo ciente
se na cidade o operário
trabalha constantemente
por um pequeno salário
lá nos campos o agregado
se encontra subordinado
sob o jugo do patrão
padecendo vida amarga
tal qual burro de carga
debaixo da sujeição.

Camponeses meus irmãos
e operários da cidade
é preciso dar as mãos
cheios de fraternidade
em favor de cada um
formar um corpo comum
praciano e camponês
pois só com esta aliança
a estrela da bonança
brilhará para vocês.

Uns com os outros se entendendo
esclarecendo as razões
e todos juntos fazendo
suas reivindicações
por uma democracia
de direito e garantia
lutando de mais a mais
são estes os belos planos
pois nos direitos humanos
nós todos somos iguais.

Vaca Estrela e Boi Fubá

Seu doutor, me dê licença
pra minha história contar
Hoje eu tô na terra estranha,
é bem triste o meu penar
Eu já fui muito feliz
vivendo no meu lugar
Eu tinha cavalo bom
e gostava de campear
Todo dia eu aboiava
na porteira do curral
Eeeeiaaaa, êeee Vaca Estrela, ôoooo Boi Fubá
Eu sou filho do Nordeste,
não nego meu naturá
Mas uma seca medonha
me tangeu de lá prá cá
Lá eu tinha o meu gadinho, não é bom nem imaginar
Minha linda Vaca Estrela
e o meu belo Boi Fubá
Aquela seca medonha
fez tudo se atrapalhar
Eeeeiaaaa, êeee Vaca Estrela, ôoooo Boi Fubá
Não nasceu capim no campo para o gado sustentar
O sertão se estorricou,
fez o açude secar
Morreu minha Vaca Estrela,
se acabou meu Boi Fubá
Perdi tudo quanto eu tinha, nunca mais pude aboiar
Eeeeiaaaa, êeee Vaca Estrela, ôoooo Boi Fubá

O Peixe

Tendo por berço o lago cristalino,
Folga o peixe, a nadar todo inocente,
Medo ou receio do porvir não sente,
Pois vive incauto do fatal destino.

Se na ponta de um fio longo e fino
A isca avista, ferra-a inconsciente,
Ficando o pobre peixe de repente,
Preso ao anzol do pescador ladino.

O camponês, também, do nosso Estado,
Ante a campanha eleitoral, coitado!
Daquele peixe tem a mesma sorte.

Antes do pleito, festa, riso e gosto,
Depois do pleito, imposto e mais imposto.
Pobre matuto do sertão do Norte!

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