Pesquisa usa Jurema como remédio antidepressivo

Ensaio clínico da emprega DMT extraída da como antidepressivo de fazenda em , no interior do Ceará. A cena é incomum: um neurocientista e um senador da República se embrenham no sertão nordestino para arrancar árvores.

Jurema Preta

Em 45 minutos, com ajuda de trator, corda, enxada e motosserra, três espécimes de jurema-preta (Mimosa tenuiflora) são extraídos com raízes e tudo, como planejado.

Nas raízes, se acha a maior concentração de DMT (N,N-dimetiltriptamina), motivo da expedição. A substância alteradora da consciência figura como uma das promessas de novos fármacos para ajudar pacientes que a psiquiatria hoje não consegue tratar.

O proprietário da , em Quixadá (CE), é Flávio Torres de Araújo, 77, físico e fundador do PDT cearense. Como suplente da senadora Patricia Saboya, ele assumiu sua cadeira por quatro meses em 2009. Ele também é dono de uma moto BMW 1.200, na qual partiria em poucos dias para uma viagem ao Peru.

Dráulio Barros de Araújo, 50, físico como o pai, pesquisa há 15 anos substâncias psicoativas como a DMT da ayahuasca. Estudos de sua equipe sobre o efeito antidepressivo do chá ajudaram a pôr o Brasil em terceiro lugar em um ranking de artigos de maior impacto no renascimento da ciência psicodélica.

Chovera durante toda a noite naquele 21 de maio. O solo encharcado não ofereceu resistência à saída das raízes da árvore dominante na caatinga. Pai e filho trabalham com o gerente José Edson Pereira da Silva, 49, no volante do Massey Ferguson.

O pivô da raiz avermelhada, seções do tronco enegrecido, folhas compostas por vários folíolos e umas poucas flores são separados para transporte até Natal, a 496 km. Lá serão processadas na UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).

As partes baixas dos troncos de cada árvore, ainda com raízes secundárias, voltam ao solo. A ideia é que rebrotem para dar origem a novas plantas e reiniciar o ciclo de vida na caatinga.

Terminada a coleta, a próxima parada se dá no rancho junto ao açude da sede da fazenda, ao pé da enorme Pedra da Pendência. O bloco de granito porfirítico integra o imponente conjunto regional dos monólitos de Quixadá, inselbergs (montanhas-ilhas) que pontilham a paisagem.

No cardápio do aperitivo à beira d’água, ovas de curimatã temperadas com tomate, pimentão e cheiro verde. Para beber, cachaça do barril de carvalho francês e cerveja.

O neurocientista sai da água e, ao passar pelo pai, lhe dá um beijo na testa. Pede que conte mais um causo, como o da viagem em que levou o menino de 11 anos para pescar no rio Araguaia.

Mais acima, a casa de 1932 é rústica, sem forro. Flávio Torres, como é mais conhecido o ex-senador, comprou a propriedade em 1983. A família viajava com frequência para lá, desde Fortaleza.

“Muito de minha personalidade foi formada aqui nesta fazenda”, conta o neurocientista. Herdeiro do espírito aventureiro do pai, já praticou mergulho em profundidade e paraquedismo; hoje, dedica-se ao surfe.

Araújo filho percorre todos os meses o trajeto de mil quilômetros, ida e volta, sempre por volta do dia 20. Ele quer caracterizar a planta em cada época do ano, em particular o teor de DMT em suas diversas partes. Busca pistas sobre a função da molécula na fisiologia do vegetal.

A jurema-preta é uma fonte abundante e barata do psicodélico, cuja extração ocorre no laboratório do pesquisador no ICe (Instituto do Cérebro) da UFRN. As raízes da Jurema como remédio antidepressivo são usadas há séculos em rituais indígenas e afro-brasileiros.

A molécula se tornou objeto de experimentos na universidade, iniciados em junho, para verificar e quantificar o efeito antidepressivo quando administrada por inalação e injeção intramuscular. Os primeiros voluntários saudáveis já receberam suas doses, e os resultados depois serão comparados com o de pacientes com recrutados no HUOL (Hospital Universitário Onofre Lopes), da UFRN.

O químico Sérgio Ruschi Bergamachi Silva, 31, nunca pôs nem álcool na boca, quanto menos DMT ou outra substância modificadora da consciência. Recebeu educação rígida do pai militar.

Homem de , interior do Rio Grande do Norte, estranhou quando o filho contou que iria analisar a jurema-preta, que no seu entender servia só para fazer estaca e carvão vegetal.

Ruschi concluiu a graduação na UFRN em 3,5 dos 4 anos usuais. Em 2013, com 22 anos, foi aprovado em concurso para a Universidade Federal Rural do Semi-Árido, em Mossoró (RN), a 280 km de Natal.

Ia e vinha de ônibus para capital, quatro horas em cada perna enfrentadas no mesmo dia, para ter aulas no mestrado da UFRN. A dissertação tratava da simulação de proteínas em computador e de sua interação molecular com fármacos —muita teoria e programação, pouca prática em bancada de laboratório.

Cansado de tanta estrada, conseguiu redistribuição para a UFRN em 2017. Viu a oportunidade surgir com uma vaga no ICe para operar um cromatógrafo, equipamento usado para identificar a composição química de substâncias controladas.

Gostava de conversar com os pacientes e foi mudando sua visão sobre drogas: “Moléculas psicoativas não são o que as pessoas pintam, nem o que eu aprendi a vida toda”, diz hoje. “O DMT é uma molécula como outra qualquer.”

O plano de trabalho com Araújo, na parceria com a empresa Biomind, inclui desenvolver um método otimizado para sintetizar a N,N-dimetiltriptamina, no conceito de química verde, que produza menos rejeitos poluentes.

No momento, Ruschi se dedica com a estudante de iniciação científica Érica Pantrigo a aperfeiçoar a extração e a purificação da DMT da jurema. Os primeiros lotes abastecem os experimentos iniciais do teste clínico sobre depressão, em que o psicodélico é inalado, e também para ensaios com animais.

O material trazido congelado da fazenda Logradouro vai para secagem em estufa, por 24 a 48 horas. Trituradas, as cascas de uma raiz se transformam em 150 g a 250 g de pó fino com cor de canela moída, submetido então ao solvente hexano.

Separado da fase aquosa em um funil de decantação, o hexano passa por evaporação sob vácuo e é recuperado para novo uso. De 200 ml de solução sobram 5 ml, congelados por 5h a 8h, quando a DMT se precipita como cristal.

Com rendimento médio de 0,3%, de 250 g de pó de raiz podem obter-se 750 mg de DMT. É o suficiente para 7 a 12 das doses variáveis usadas no experimento.

Ruschi conta que se espantou com a simplicidade do procedimento. Desafio, mesmo, será a síntese a partir do zero, que resultaria em volumes maiores. Para desenvolver o processo, conta com a colaboração de um antigo professor de química orgânica na UFRN, o catarinense Fabrício Gava Menezes.

Começarão em breve com quantidades pequenas, 0,5 a 5 g. Dominado o processo, o que segundo Menezes deve tomar uns cinco meses, partiriam para a escala de 20 g, quase 30 vezes mais que o obtido com a extração a partir de uma raiz de jurema.

Menezes e Ruschi têm ainda a ambição de inovar, fazendo modificações na molécula de DMT para melhorar sua eficácia. Utilizarão modelos computacionais em busca de sugestões para burilar o efeito biológico e terapêutico. “Com as modificações, aí sim seria patenteável”, explica o especialista catarinense.

A ciência brasileira, primeiramente a do Nordeste, tem história com a molécula de DMT. O alcaloide natural foi isolado e descrito por um químico pernambucano, Oswaldo Gonçalves de Lima (1908-1989), que o extraiu na década de 1940 da jurema-preta. Foi por causa da cor do tronco que lhe deu o nome de nigerina.

Primeiro diretor da Escola Superior de Química, depois incorporada pela Universidade Federal de Pernambuco, Gonçalves de Lima fundou em 1952 o Instituto de Antibióticos da Universidade do Recife, absorvido pela UFPE. Publicou 228 artigos científicos, dos quais 29 em periódicos estrangeiros.

Um desses artigos consagrou seu nome na literatura científica psicodélica: “Observações sobre o ‘vinho da Jurema’ utilizado pelos índios Pancarú de Tacaratú (Pernambuco)”. Saiu em 1946 na revista Arquivos do Instituto de Pesquisas Agronômicas.

Gonçalves de Lima tinha muitos interesses, da política —esteve preso por dois meses em 1935, após a Intentona Comunista— à literatura alemã, como atesta uma aula magna de 1965 com o título “Goethe e a química”. Era também defensor dos índios das Américas e admirador do marechal Rondon e do antropólogo Darcy Ribeiro.

Em outubro de 1942, o químico visitou em Jatobá, sertão pernambucano, uma aldeia da etnia hoje chamada de pankararu. Ia acompanhado de alunos e técnicos para estudos geológicos no vale do rio São Francisco.

Gonçalves de Lima narra no artigo sua frustração por não ter conseguido presenciar a cerimônia do ajucá, o “vinho” que ali se fazia com a jurema-preta. Só assistiu o preparo pelo índio Serafim Joaquim dos Santos.

Raspas da raiz maceradas são espremidas em água fria, que se torna vermelha e espumosa. Após a retirada da espuma, a vasilha de barro recebe fumaça de cachimbo soprada sobre ela em forma de cruz.

Sem testemunhar o transe induzido pelo vinho durante cerimônias, Gonçalves de Lima cita o etnógrafo Carlos Estevão de Oliveira: “Davam, naquele momento, a impressão de que a lâmina de chumbo da pseudo-civilização que sobre eles distendemos, embora com quatro séculos de espessura, é leve demais para sufocar suas crenças”.

O químico fala da influência indígena sobre os cultos catimbó, em Pernambuco, e candomblé de caboclo, na Bahia. A grande contribuição foi a jurema, epicentro da “pouco extensa fitolatria dos índios do Nordeste”, que “só se tornou árvore sagrada quando se as identificaram como meio de transporte delicioso”.

Com as amostras obtidas, Gonçalves de Lima aplicou vários métodos químicos para extrair o alcaloide transportador, que batizou como nigerina. Foi o primeiro registro da DMT em organismos naturais, mas depois se tornou claro que a mesma substância havia sido sintetizada em 1931 pelo químico canadense Richard Manske.

A comprovação de que a N,N-dimetiltriptamina era a produtora do efeito psicodélico veio só em 1956, quando o químico e psiquiatra húngaro Stephen Szara injetou no próprio músculo um extrato de Mimosa tenuiflora e, bem, viajou.

Já Gonçalves de Lima narra que um membro de sua equipe ingeriu 40 mg de nigerina e só experimentou aceleração do pulso, exacerbação auditiva e sintomas respiratórios (dispneia ligeira). “Todos esses fenômenos desapareceram em 45 minutos”, registrou.

Trinta anos depois de a nigerina ser isolada, artigo no periódico The Alabama Journal of Medical Sciences relatou um fato surpreendente: a DMT está presente no cérebro humano saudável, sem a ingestão de substâncias psicoativas. A dimetiltriptamina é produzida no órgão sobre o qual exerce efeito psicodélico.

Tal descoberta ofereceria bom argumento em favor da ideia de que a DMT, sendo endógena, tem tudo para ser um fármaco seguro, caso comprovada sua utilidade terapêutica. Haveria, claro, que se testar o espectro de doses que poderiam ser usadas com segurança.

Com a popularidade adquirida pela ayahuasca entre hippies, com obras como “Cartas do Yagé” (outro nome da bebida), de William Burroughs e Allen Ginsberg, já em 1966, apenas três anos após publicado o livro, surgiram as primeiras restrições para seu uso em pesquisa.

A DMT não ocorre só na jurema-preta, na chacrona e no cérebro humano, mas também em outros animais, plantas e até fungos. Um apanhado abrangente de sua ubiquidade se encontra no livro “Tihkal”, de Ann Shulgin (1931-2022) e Alexander “Sasha” Shulgin (1925-2014).

O casal passou vários anos sintetizando psicodélicos em seu laboratório doméstico na Califórnia, os quais testava em autoexperimentos na companhia de amigos. “A DMT está, mais simplesmente, quase em todo lugar que você escolher procurar. Está nesta flor aqui, naquelas árvores lá adiante, em animais acolá.”

O longo trecho sobre DMT no livro começa apontando um parente próximo, 5,6-dibromo-DMT, na esponja marinha Smenospongia ehina e no tunicado Eudistoma fragum. A N,N-dimetiltriptamina propriamente dita aparece em um tipo de coral da baía de Nápoles, Paramuricea chamaeleon.

A lista prossegue com várias espécies de fungos em sete famílias contendo um outro primo da DMT, a 4-hidroxi-DMT. Em seguida, despontam os sapos, com 5-hidroxi-DMT (bufotenina) e 5-MeO-DMT.

Passando para o reino das plantas, Shulgin começa relacionando capins do gênero Phalaris, como P. tuberosa, que contém DMT, bufotenina e 5-MeO-DMT. A planta deixa cambaleantes carneiros alimentados com ela. Outro gênero de gramínea intoxicante para animais é Lolium, além de várias espécies de bambus e caniços.

Entre as leguminosas, muitas espécies dos gêneros Acacia, Anadenanthera e Mimosa. Do angico Anadenanthera peregrina e seu primo A. colubrina, por exemplo, se extraem rapés psicoativos que recebem nomes como paricá, yopo, vilca, huilca e cébil. Outras nove leguminosas também contêm DMT, informa Shulgin.

Há, ainda, as árvores do gênero Virola, de cuja resina se produzem igualmente rapés. Por fim, e mais importante, na grande família psicoativa de parentes do café, a chacrona da ayahuasca, Psychotria viridis, é a única a apresentar DMT.

“Por que a DMT ocorre de forma tão abrangente em seres vivos?”, pergunta Dráulio de Araújo, sentado na longa varanda da fazenda Logradouro. Sua hipótese, para animais, é que a dimetiltriptamina seja o motor das imagens surgidas em sonhos, a visão de olhos fechados ou mirações de que falam ayahuasqueiros.

A expressão virou título de um de seus artigos científicos pioneiros sobre o psicodélico (“Seeing with the eyes shut”, de 2012). Registros de ressonância magnética funcional revelaram que as visões deflagradas pela ayahuasca provêm da ativação de extensa rede neural envolvida com visão, memória e intenção.

“Vários efeitos se parecem muito com o que acontece quando a pessoa está sonhando. Vemos os nossos próprios pensamentos, ganhamos acesso às nossas próprias emoções”, diz o neurocientista, que já teve experiências com ayahuasca (nem sempre pacíficas).

Mais misteriosa é a ocorrência geral de DMT em plantas. Araújo especula que o composto pode ter função biológica mais fundamental, como preparar organismos para estresses ambientais, por exemplo o longo período de estiagem na caatinga.

Sua prática de colher amostras da jurema Mimosa tenuiflora todos os meses tem a ver com essa ideia. Ele quer estabelecer como varia o teor de dimetiltriptamina em cada parte da jurema-preta no verão (seca) e inverno (chuvas) nordestinos, em buscas de pistas sobre a função da DMT.

Uma característica mais geral na mira é o efeito anti-inflamatório, que a DMT compartilha com outros psicodélicos. Como níveis aumentados de inflamação ocorrem em pacientes deprimidos, o benefício antidepressivo pode estar associado também com isso, além do acesso a conteúdos psíquicos.

Outro fator a estimular a imaginação científica de Araújo vem de estudos mostrando a capacidade de psicodélicos, DMT entre eles, de ativar vias metabólicas associadas com a formação de novas conexões cerebrais. É o que se chama de neuroplasticidade.

Ao abrir novos caminhos para troca de impulsos entre neurônios, a DMT favoreceria a emergência de pensamentos capazes de romper ciclos viciosos de ideias negativas, a ruminação que atormenta deprimidos graves. A neuroplasticidade seria outro processo a contribuir para o efeito antidepressivo.

Fã da ficção científica em filmes como “Duna”, e seguindo sugestão do psiquiatra Marcelo Falchi, o pesquisador batizou a empreitada de Projeto Dunas (também uma referência às formações típicas das praias potiguares). Mas Araújo gosta de se referir a ele também como DMT de A a Z.

O projeto gestado durante a permanência de Araújo na Califórnia ganhou impulso com a entrada da empresa Biomind Labs, presidida pelo uruguaio Alejandro Antalich, que há poucos meses abriu sede em Cambridge, Reino Unido. O objetivo da parceria é testar e desenvolver formulações e protocolos de administração da droga mais propícios para aplicação clínica contra depressão.

Nesta fase preliminar com voluntários saudáveis, o grupo de Araújo usa para inalação a DMT da jurema-preta. Quando entrarem em cena pacientes com depressão, será utilizada variante sintética fornecida pela Biomind e fabricada com as melhores práticas exigidas para medicamentos. A extração no ICe prosseguirá, porém, para abastecer o programa de A a Z.

Um dos enigmas que o estudo sistemático da Mimosa tenuiflora poderá desvendar é o efeito do vinho da jurema: além da DMT, seria a própria planta fornecedora de betacarbolinas inibidoras da enzima MAO que degrada o psicodélico no trato digestivo?

Até agora, se especula que tais bloqueadores estejam presentes em outros vegetais que entram na bebida cerimonial, como variedades silvestres de caju e maracujá. Elas não são empregadas em todos os lugares onde se faz o vinho, contudo.

Pode ser que o mistério não tenha solução bioquímica. Não se exclui que o acesso aos reinos encantados se abra com os próprios rituais, sem influência psicodélica direta.

A jurema-preta é apenas 1 das 38 espécies do gênero Mimosa existentes na caatinga (das 350 que se encontram no Brasil, entre as 540 do mundo). Algumas também contêm DMT, mas M. tenuiflora se tornou a preferida para rituais. A razão pode estar no teor alto de DMT ou ainda em sua onipresença no sertão nordestino.

A rusticidade da jurema deixa eco até no nome da planta, que significa em tupi “muitos espinhos”. Mesmo em um ambiente semiárido, alcança até 5,5 m de altura e 30 cm de diâmetro no tronco. Sua dominância na paisagem da caatinga viria da tolerância incomum a diferentes condições do solo e a déficits hídricos.

Na estiagem, perde todas as folhas, que retornam verdes às primeiras chuvas. Vêm também as flores brancas, usualmente em novembro e dezembro. O alto teor de taninos, origem do amargor da bebida preparada com jurema, não impede bovinos e caprinos de se alimentar dos brotos no inverno e das folhas e vagens na seca.

A madeira resistente é mais densa que a do eucalipto. Vem daí a preferência dos sertanejos, como a indicada mais atrás pelo pai do químico Sérgio Ruschi, para obter mourões e carvão.

Na condição de leguminosa, abriga nas raízes, em simbiose, bactérias que fixam no solo nitrogênio da atmosfera, enriquecendo com o nutriente decisivo os terrenos pobres da caatinga. É uma árvore propícia para reflorestamento, pois cresce rápido, 4,5 m em cinco anos, e 75% das mudas sobrevivem nesse período.

Toda essa resiliência, entretanto, pode ser pouca para enfrentar a crescente presença humana no sertão. Mais da metade do bioma caatinga já foi desmatado, e 13% estão em processo de desertificação. A superfície de água, ou seja, rios e açudes, encolheu 8% de 1985 a 2020, segundo a iniciativa MapBiomas.

A jurema-preta, em que pese a abundância, não passa incólume por essa frente de devastação. Segundo estudo genético de Seni Reis Arruda, da Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia), a fragmentação da caatinga já está diminuindo o fluxo gênico entre populações separadas da Mimosa tenuiflora.

Sem adequada dispersão de pólen e sementes, as árvores se reproduzem só com as primas confinadas na mesma área. Encolhe a variedade de genes disponíveis para tornar a árvore robusta diante de variadas condições ambientais. A redução de diversidade, com o tempo, poderia implicar risco para a sobrevivência da espécie.

Quem vê Dráulio Araújo e Flávio Torres sacando apenas três pés de jurema-preta do extenso juremal na fazenda Logradouro pode concluir que não fará diferença para a população. Afinal, ao ritmo de três exemplares por mês para obter algumas centenas de miligramas de DMT, serão meras 36 árvores em um ano.

Filho e pai, no entanto, tomam o cuidado de devolver à terra os tocos da trinca com as respectivas raízes secundárias, para que rebrotem e sigam repondo o vigor da caatinga. No mesmo ato, renovam a força do afeto entre eles e a chance de que o estudo com DMT contribua para aliviar o sofrimento de milhões de deprimidos.

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